Vida em Movimento – T3:E4 – Uma breve história da escola e nossa homenagem aos professores

Além de uma viagem pela história do surgimento das escolas e do papel do professor – que veio mudando ao longo dos séculos, passando de um “transmissor” de conhecimento para um formador de pessoas –, o 4º episódio (2ª temporada) do Vida em Movimento é uma homenagem da Fundação Grupo Volkswagen a esses profissionais fundamentais para a nossa sociedade. Sem eles, nenhum de nós teria trilhado seu caminho e realizado suas conquistas. Sabe aquela professora que percebeu que o aluno tinha um dom para escrever? Ou aquele que viu um futuro cientista no aluno bom de matemática ou ciências? Esse programa é sobre esses profissionais. E reunimos cases incríveis de professores e professoras que foram além do que se esperava e fizeram tudo para ajudar a formar pessoas melhores para o mundo. Esperamos que o programa inspire você a não perder nenhuma oportunidade de valorizar a educação e o professor. E a expressar esse valor! Em casa, com os amigos, no trabalho. O caminho é a educação!
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Confira a transcrição do áudio

Vinheta de abertura

Fundo musical

Renata Pifer – Olá, todas e todos. Bem-vindos a mais um episódio da segunda temporada do Vida em Movimento. O podcast da Fundação Grupo Volkswagen. Eu sou Renata Pifer

Gisele Diez – E eu sou Gizele Diez. Vou substituir hoje a Ludmila Vilar, que não pode estar com a gente, mas no próximo programa ela volta!

Renata Pifer – O programa de hoje tem um tema muito especial: os professores. Eles serão os personagens da história que vamos contar, sobre as mudanças e as evoluções na educação ao longo dos séculos. Tanto do próprio conceito de escola quanto do papel do professor na vida de todos nós. Então, já começamos o programa com nosso Feliz Dia do Professor [o episódio foi lançado no dia 15 de outubro de 2021] para todos esses profissionais. Sem os professores, nenhum de nós estaria aqui

Gisele Diez – É isso mesmo, Renata. não haveria nem esse mundo que conhecemos hoje Tudo começa na sala de aula, o ambiente onde começamos a aprender sobre o mundo.

Renata Pifer – Você se lembra de um filme clássico chamado ao mestre com carinho, de 1967? O filme conta a história do professor Mark Thackeray, vivido pelo ator Sidney Poitier, em uma escola na periferia de Londres. A comunidade local é cheia de questões sociais e raciais. E claro que isso se reflete no comportamento dos alunos, tornando a turma um pesadelo para outros que vieram antes dele. Mas acontece que o professor Mark não se dá por vencido. Ele encara o problema, cria mil formas de contorná-lo e termina sendo homenageado pelos estudantes, no final do ano letivo. Quando os alunos cantam para ele uma canção que virou hit na época: To Sir With love (em português, “ao mestre com carinho”), na voz da cantora escocesa lulu

Gisele Diez – E por que estamos falando desse filme? Porque todos nós temos um Mark Thackeray em nossas vidas, não é? Aquele professor ou professora que ia além do que se esperava. E fazia tudo para ajudar a formar pessoas melhores para o mundo.  Aquela professora que percebeu que o aluno tinha um dom para escrever, que viu um futuro cientista no aluno bom de matemática ou ciências, que apoiou e guiou seus alunos e alunas nas descobertas do mundo, do passado e do presente, e de quem gostariam de se tornar no futuro. Queremos homenagear esses profissionais. E vamos fazer isso também trazendo histórias de professores que fazem a diferença brasil afora.

Renata Pifer – Mas antes de falar dessas figuras inspiradoras, vamos voltar no tempo e ver como surgiu o conceito de escola.  Nas comunidades primitivas, antes dos gregos e suas noções mais delineadas de educação, o ensino era informal. Aprendia-se coisas práticas da vida coletiva. O aprendizado era focado na sobrevivência e na continuidade do que hoje podemos chamar de padrões culturais. Foi na Grécia Antiga que se teve notícia das primeiras iniciativas com o objetivo de formar pessoas. Mas mesmo assim não era para todo mundo. O ideal grego era formar os homens das classes dirigentes. Por meio da relação entre mestre e pupilos. Mesmo assim, ainda não existia a ideia de um local dedicado à aprendizagem. E olha que o termo escola surgiu lá hein? vem do grego scholé – quer dizer “lazer e tempo livre”.

Gisele Diez – Esse cenário começa a mudar na idade média, quando o ensino migrou para o ambiente dos mosteiros. Nessa mesma época, temos o surgimento de uma nova classe de trabalhadores, a chamada burguesia. Formada principalmente por comerciantes, ela acabou patrocinando as primeiras ideias de escola, que surgiram justamente para atender à demanda da época: pessoas que soubessem ler, escrever e fazer contas. Para, claro, trabalharem no comércio. A ideia de educar preparando para o trabalho fica ainda mais forte durante a revolução industrial. Período que teve início a partir da segunda metade do século 18. Os burgueses de ontem se tornaram os industriais de então. Uma classe que também precisava de uma mão de obra que soubesse lidar com os novos meios de produção.

Renata Pifer – Já no século 19, aparecem, na Alemanha e na França, as primeiras escolas públicas. Apesar de serem custeadas pelo estado, essas primeiras instituições não tinham interesse, por exemplo, em atender aos filhos da classe trabalhadora. A ideia era trazer conhecimento somente para as classes dominantes que surgiam junto com o capitalismo. Ainda no século 19, essas escolas desembarcam no novo mundo: os países do continente americano. Aqui no brasil, não por coincidência, esse momento se dá no início do nosso processo de industrialização, a partir dos anos de 1800

Gisele Diez – Mas no melhor estilo ação e reação, esse cenário não demoraria a ter opositores. As mudanças de comportamento que marcaram o século 20 foram responsáveis por também transformar a escola. Os movimentos estudantis, as ideias libertárias da contracultura, a consolidação do feminismo como corrente de pensamento. Tudo isso passou a exigir uma nova escola: gratuita, laica (ou seja, não exclusiva nem ligada à nenhuma religião) e democrática, no sentido de ser para todas e todos.

Renata Pifer – E agora que estamos no século 20, vamos trazer para essa história o personagem principal do programa de hoje. A figura que evoluiu de um transmissor de conhecimento para um formador de cidadãos. Em uma reportagem para o jornal curitibano gazeta do povo, a doutora em educação pela universidade federal do paraná, verônica branco, explica que até os anos de 1970, o professor era, nas palavras dela, um conteudista. Ou seja, o professor típico dessa época era como uma máquina que não podia dizer “eu não sei”.Ele decorava tudo e depois transmitia para os alunos. Na década de 1980, marcada pelo avanço da tecnologia, surge um novo desafio no ambiente escolar: o professor passa a ter que lidar com novos meios para repassar conhecimento. Ao mesmo tempo em que se vê livre de ser um repositório de conhecimento, o professor consegue assumir um papel mais amplo e, em certo sentido, mais sofisticado: o de contribuir para a formação dos indivíduos. Nos anos 90, a chegada da internet muda o mundo e, claro, a educação. O papel do professor passa a ser também o de estar atualizado com novas ferramentas. Ferramentas essas que, em muitos casos, são dominadas plenamente pelos alunos.

Gisele Diez – Já na virada do século 20 para o 21, o que vinha sendo desenhado se consolida: o conhecimento caiu na rede  e o professor não é mais a única fonte de informação. Mas hoje sabemos que informação não quer dizer necessariamente conhecimento. É quando o professor assume o papel de mediar esse acesso. Discernimento, seleção crítica para separar o bom e mal conteúdo, e a necessidade de constante reciclagem se tornam as novas lições de casa para o educador do século 21. E concluímos essa linha do tempo com os dias atuais, que talvez estejam entre os mais desafiadores já enfrentados. E não falamos somente da pandemia – que impactou diretamente na vida escolar do país. Políticas sociais não muito alinhadas à realidade da educação também tornam tudo mais turbulento. Congelamento de gastos com a educação, diminuição do número professores contratados pelo estado, visão de que a escola comum não deve incluir pessoas com deficiência  Todas essas decisões tornam ainda mais difícil a escolha de ser professor no brasil. É como se tudo jogasse contra. Por isso, casos inspiradores como os que traremos aqui se tornam ainda mais importantes. E, por que não dizer?, emocionantes também!

Renata Pifer – Vamos começar contando a ideia da professora de história Rosely Marchetti Honório, aqui de são paulo, capital. Quando lecionava na escola municipal de ensino fundamental Infante Dom Henrique, ela percebeu uma coisa toda vez que falava sobre processos migratórios. Os alunos sempre tinham um comentário ou brincadeira que pendia para o preconceito. Principalmente com relação a quem vinha de fora. Seja qual fosse esse “fora”: outra cidade, outro estado, outro país… Foi quando ela decidiu usar o ambiente escolar como um “laboratório” para investigar as origens de seus alunos. A professora pediu para os alunos fazerem desenhos com o tema família. Depois pediu para as crianças apontarem se havia algum migrante ou imigrante retratado nos desenhos. Para aprofundar o conhecimento, Rosely pediu que a turma fizesse suas árvores genealógicas e até entrevistassem membros da família. O resultado? os alunos descobriram, cheios de surpresa, que no fim das contas, somos todos um pouco migrantes e imigrantes no brasil. Ainda mais numa cidade como são paulo.

Gisele Diez – De Minas Gerais, vem a experiência vivida pelo professor de história Di Gianni de Oliveira Nunes. Ele dá aula na Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac), em lagoa da prata, Minas Gerais, para turmas de Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Um dia, o professor ia explicar para os alunos sobre a invasão nazista na cidade basca de Guernica, em 1937. Mas a lousa da sala estava rachada, e ia impedir o mapa visual que pretendia usar. Ele não teve dúvidas: foi com a turma para o campo da Apac e usou elementos do próprio espaço para uma aula improvisada. Quer dizer, improvisada naquele momento, porque essa acabou virando sua marca registrada:  Usar tudo ao seu redor, fora da sala, para ajudar a transmitir suas ideias. A criatividade do professor não parou por aí. Na falta de poder contar com recursos como, por exemplo, a internet, Di Gianni usa o que tem nas mãos para ajudar a tirar as dúvidas dos alunos. Quando um deles quis saber se a bíblia poderia ser usada como fonte histórica, o professor fez a única coisa que podia: pegou o livro sagrado e começou a ler passagens com os alunos, em busca por paralelos com a história. Ele seguiu tanto a cronologia ali apresentada, quanto cruzou informações com outros livros e revistas. Em entrevista à exame, o professor explicou que não faz parte de seu trabalho debater ou questionar a fé dos alunos. Mas que viu uma chance de usar o texto para entender a sociedade de outras épocas. Toda essa dedicação não passou despercebida: Um dos alunos de Di Gianni já expressou o desejo, assim que terminar sua pena, de fazer faculdade de história e tornar-se também professor.

Renata Pifer – Aproveitando que começamos a conhecer essas experiências que nos enchem de orgulho, temos um case especial para compartilhar com vocês. É a história do professor Lucimar Menezes, diretor do CEPI, Centro de Ensino em Período Integral Santa Luzia, em Aparecida de Goiânia, no estado de Goiás, que encontrou um jeito muito especial de combater a evasão escolar – agravada pela pandemia. Quando Lucimar percebeu que alguns de seus alunos poderiam não voltar após o período de isolamento social, ele fez o que poucos fariam no seu lugar: colocou um vestido e uma peruca e criou uma personagem cheia de personalidade: a professora Bolonha, que vai até a casa do aluno saber como ele está e por onde ele anda.  O professor Lucimar esteve com a gente na 4ª Jornada do Conhecimento, evento online promovido pela Fundação Grupo Volkswagen e que teve como tema “o protagonismo da educação em épocas de crise”. Na ocasião, ele explicou que teve essa ideia para chegar até os alunos que mostravam pouca frequência nas plataformas digitais de ensino à distância e que estavam atrasados com suas atividades e cadernos de exercícios. Por trás da ideia, estava uma necessidade de reinvenção, por parte da equipe do CEPI Santa Luzia, criando outras maneiras de chegar até os alunos. A cena é de filme: Lucimar chega em um carro todo enfeitado, e que anuncia como um carro de som o “ensino delivery”, vestido de professora Bolonha, e chama os alunos na porta de suas casas. A mensagem é: já que o jovem não vai até a educação, a educação vai até ele. E não tem quem não se deixe convencer pela carismática professora, que sabe muito bem lidar com seus “aluninhos e aluninhas”, como chama os jovens. O resultado foi a volta às atividades escolares diárias de 85% dos alunos que estavam distantes. E um índice de evasão escolar de 1% no final de 2020. E a professora Bolonha já mandou avisar: vai continuar na ativa até a pandemia acabar.

Gisele Diez – Nossa próxima professora nota 10 pensou rápido e conseguiu reverter um cenário bastante delicado: um episódio de bullying na escola. Ela é a professora de geografia Gislaine Carla Waltrik, que leciona no colégio Astolpho Macedo Souza, em União da Vitória, Paraná. Ao presenciar cenas de perseguição a um garoto que estava sendo chamado de gay pelos colegas de forma insistente e em tom de desrespeito, Gislaine não se limitou a apenas intervir nos episódios. Ela criou um projeto para que todos os alunos e alunas pudessem falar de gênero e sexualidade. A professora pediu que os alunos saíssem pela escola e mapeassem como a sexualidade se manifestava no espaço escolar. Por exemplo, no banheiro com pichações de palavrões e desenhos; no laboratório de informática com as tentativas de acessar conteúdo pornográfico. E até na quadra de futebol, tida muitas vezes como um lugar só para os meninos. Com o resultado do levantamento em mãos, estava aberto um espaço para conversar sobre as chamadas construções sociais. Os temas dentro disso eram propostos pelos próprios alunos. Coisas que interessam diretamente a eles. Como expectativas sociais e sexualidade, entre outros. Com as conversas, vieram à tona relatos de violência e depoimentos sobre  o porquê alguns comportamentos eram considerados condenáveis e outros não. E esse foi o gancho para Gislaine mostrar, como mediadora dos debates, que todos e todas devemos proteger nossos corpos e respeitar os dos outros.

Renata Pifer – Viajando do Paraná para Rondônia, vamos conhecer agora uma história sobre as escolas criadas nas terras indígenas do Povo Paiter. Os alunos sabem falar bem o português, mas tinham dificuldade para associar o método de ensino proposto pela escola regular à tradição que elas viam em casa, fortemente retratada por meio de seu idioma indígena. Foi esse o cenário que recepcionou a professora do ensino básico Elisângela Dell-Armelina Suruí. Quando percebeu o impasse entre duas culturas, conseguiu enxergar que a solução estava bem ao seu lado. Ou melhor, estava sentadinha em cada carteira das escolas: os próprios alunos. Mesmo que o material didático adequado já fosse uma demanda não atendida antiga dos professores, Elisângela enxergou além do problema. E percebeu que ninguém era mais indicado para produzir esse material do que as próprias crianças. Foi quando ela iniciou, junto com as turmas, a produção de um material bilingue – cruzando o português com a língua materna do Povo Paiter.  Uma forma de alfabetizar sem ignorar o saber dos índios – ao contrário, incorporando-o na formação dos pequenos.

Renata Pifer – É incrível o poder que a representatividade tem para nos ajudar a encontrar o sentido das coisas, não é? Aqui na Fundação Grupo Volkswagen, a inclusão e diversidade estão de braços dados com a educação, permeando todos os projetos, nas três causas abraçadas pela instituição: mobilidade social, mobilidade urbana e inclusão de pessoas com deficiência. Compartilhamos o propósito de mover pessoas pelo conhecimento, por meio de movimentos que diminuem as distâncias e geram mudanças, transformando potenciais em realidade. nossa missão é promover transformações positivas que impulsionem melhorias na educação e que mobilizem cidadãos, para atuarem como protagonistas do desenvolvimento de comunidades. E nada disso seria possível sem os professores e demais profissionais da educação que estão sempre com a gente, como parceiros nos projetos e também entre os beneficiários de nossas ações. e isso permite uma troca muito rica, constantemente aprendendo com eles, mesmo que não estejamos mais em sala de aula!

Gisele Diez – Assim a gente encerra mais um episódio do vida em movimento. Esperamos que o programa tenha te inspirado a não perder nenhuma oportunidade de valorizar a educação e o professor. E a expressar esse valor. em casa, com os amigos, no trabalho.

Renata Pifer – E sempre lembrar que sem eles nenhum de nós teria trilhado seu caminho e realizado suas conquistas. Não é à toa que as lembranças de nossos professores nos seguem por toda a vida. O caminho é a educação, pessoal. Um abraço e até o próximo episódio!

Locutor – O podcast Vida em Movimento é uma realização da Fundação Grupo Volkswagen. Produção, pesquisa e roteiro: RPTCom e Fundação Grupo Volkswagen. Apresentação: Renata Pifer e Gisele Diez. Produção musical, gravação, edição e finalização: Groove Audiomedia. Se você quiser saber mais sobre educação e o papel dos educadores, acompanhe nossos site ou siga a gente nas redes sociais.