Vida em Movimento #02 – Inclusão de crianças com deficiência na educação infantil
Fundo musical.
Narrador:
“Vida em movimento”, o podcast da Fundação Grupo Volkswagen.
Fundo musical.
Marcelo Abud:
Olá! Como vai você? Hora de embarcar em mais um episódio do Vida em Movimento, o podcast da Fundação Grupo Volkswagen. Eu sou Marcelo Abud, professor e podcaster.
Renata Pifer:
E eu sou Renata Pifer, internacionalista e integrante do time da Fundação.
Marcelo Abud:
Quando iniciamos o planejamento das gravações de nosso podcast, ainda não sabíamos que o Coronavírus mudaria toda a nossa rotina.
Renata Pifer:
Quem ouviu o episódio de estreia, notou que fizemos a gravação em estúdio, com equipamentos profissionais para captação de som. Mas, nesse momento excepcional, em que é recomendado que fiquemos em casa, a qualidade do áudio poderá ser diferente, pois estamos gravando de forma remota.
Marcelo Abud:
Assim, a vida continua em movimento e as ideias circulam. Esperamos que você fique conosco neste episódio. Vamos lá?
Gláucia, mãe da Lara e professora:
No começo Lara na tinha uma retinopatia da prematuridade grau 4. E aí com dois anos e meio ela já perdeu tudo. Ela já não enxergava mais nada. Nem vulto, nem claridade. Absolutamente nada. A Lara fazia as atividades, porém ela não se incluía em todas as atividades. E aí apareceu a Fundação Volkswagen no último ano que ela estava na EMEI. Ela teve o contato da leitura, porque ela já tinha o contato da máquina em Braille. Então ela teve contato com a leitura em Braille, atividades e materiais que incluíam ela junto com as outras crianças. Quando eu vi a foto dela descendo o morro da escola sentada no papelão junto com mais quatro amigas, eu quase tive um infarto.
Lara:
Adivinha o que eu fazia na EMEI? Descia o morro com papelão!
Gláucia, mãe da Lara e professora:
Porque aí você vê a possibilidade da criança ser como outra qualquer.
Fundo musical.
Marcelo Abud:
Essa é a Gláucia, professora e mãe da Lara, contando pra gente sobre o período em que sua filha estudou em uma escola pública que implantou um projeto de educação inclusiva da Fundação Grupo Volkswagen.
Fundo musical.
Renata Pifer:
Você sabia que 86% dos brasileiros afirmam que as escolas ficam melhores quando incluem alunos com deficiência?
Marcelo Abud:
Esse é um dos dados apresentados pela pesquisa feita pelo Instituto Alana, em 2019. Que outras informações podemos destacar Renata?
Renata Pifer:
76% dos entrevistados acreditam que a criança com deficiência aprende mais ao lado daquela sem deficiência.
Marcelo Abud:
Educação inclusiva é o tema do nosso segundo episódio do Vida em Movimento, o podcast da Fundação Grupo Volkswagen.
Renata Pifer:
Pra entender melhor a inclusão dessas crianças na educação infantil, contamos hoje com a participação da pedagoga e fundadora da Mais Diferenças, CARLA MAUCH.
Marcelo Abud:
E também da professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, TIZUKO MORCHIDA KISHIMOTO.
Marcelo Abud:
Carla, pra começo de conversa, o que é educação inclusiva?
Carla Mauch:
Educação inclusiva é o direito de todos estarem juntos. É compreender que a educação se faz em processos interativos, e que a diferença de cada sujeito, de cada aluno, é um valor tanto nos processos de aprendizagem como nos processos de convivência, de hospitalidade, da possibilidade de aprender com o outro. Então a educação inclusiva é garantir que a educação é fundamental e que tem que ser um direito para todos estarem no mesmo espaço.
Renata Pifer:
Professora Tizuko, uma pesquisa recente organizada pelo Instituto Alana, responsável pelos dados que trouxemos lá na abertura do episódio, apontou benefícios que a presença de crianças com deficiência na escola comum traz para todos. Na prática, o que isso significa?
Tizuko Morchida Kishimoto:
Essa é uma importante pesquisa que surgiu das mães que começaram a criticar as escolas que fazem inclusão pelo fato de acharem que seus filhos seriam prejudicados. E aí então foram feitos vários estudos longitudinais em quatro países: Estados Unidos, Canadá, Austrália e Irlanda. E a conclusão que todos os trabalhos chegaram é que não há impacto negativo nenhum na inclusão para as outras crianças e que há ainda benefícios para ambas.
Marcelo Abud:
E professora Tizuko, quais são esses benefícios?
Tizuko Morchida Kishimoto:
Para as crianças incluídas dois aspectos importantes: o desempenho acadêmico e a competência linguística. E o exemplo da Lara, a menina cega, ela mostrou exatamente que a inclusão possibilitou um desempenho acadêmico tão bom que hoje ela está no ensino fundamental. E o fato da pré-escola ter oferecido a ela uma segunda linguagem, a linguagem em Braille, fez com que ela adquirisse uma competência linguística que lhe possibilitou essa diferenciação.
Marcelo Abud:
E professora Carla, aproveitando essa fala da professora Tizuko,a gente fica pensando se haveria retrocessos caso voltássemos a falar de escolas e classes segregadas ou especiais. Você acredita que a gente estaria retrocedendo se fizesse isso?
Carla Mauch:
Sem sombra de dúvida voltar ao modelo antigo da escola especial e da classe especial é um retrocesso enorme. A educação inclusiva é uma política muito nova. Se nós formos analisar, nós temos dez anos, e portanto, é lógico que nós temos desafios. Pensar que após 10 anos, em pleno século 21, que a gente já aprendeu tanto. Nós enquanto sociedade, vamos dizer “não”? “O lugar dessas crianças, desses adolescentes, não é junto com os outros”? Isso é quase que uma derrota de sociedade, de humanização. Nós começamos a trabalhar como um modelo social e, nesse modelo, o conceito de deficiência está em interação com o ambiente. Esta característica, por exemplo, de uma criança de educação infantil, vamos usar o exemplo da Lara, que não enxerga, está em relação com as barreiras do ambiente. As barreiras arquitetônicas, as barreiras de comunicação. Portanto, se eu tenho um ambiente livre de barreiras, essa deficiência não impossibilita que essa criança brinque, aprenda a ler, a escrever. A ser uma física, uma matemática. A trabalhar, a conviver. Com essa nova lógica do modelo social, nós podemos dizer que quem tem limitação é a sociedade.
Renata Pifer:
Super pertinente a reflexão Carla. Muito obrigada! E ao pensarmos na ideia de culturas da infância, como o brincar contribui para que a educação seja, de fato, inclusiva, Prof. Tizuko?
Tizuko Morchida Kishimoto:
A gente tem hoje em dia, em várias culturas, produções de livros, de materiais, de revistas, cursos, enfim, fazer alguma coisa junto com a criança também é cultura de infância. Mas o que está nos interessando nesse momento é aquela cultura produzida por meio da brincadeira feita entre as crianças de uma forma livre, escolhida pelas próprias crianças onde elas possam se divertir, recriar cultura, participar de grupos ou brincar sozinha. Nós chamamos isso de cultura lúdica, ou cultura infantil ou cultura de pares. É essa cultura que é importante para fazer a inclusão, porque está dando oportunidade para ambas as crianças, tanto a criança incluída como a não incluída, de reinterpretar a cultura.
Ela está aprendendo a se relacionar, está construindo amizades, que são importantíssimos para essas crianças. A criança que não tem deficiência começa a perder o medo das atitudes comportamentais das diferentes crianças que tem deficiência. E elas passam a ter um crescimento cognitivo social, aquilo que hoje a gente chama de inteligência emocional, muito forte e também desenvolve o autoconceito. Uma autoestima pelo fato de estarem ajudando, de estarem brincando, estarem se relacionando com essas crianças. Então para concluir, a cultura de infância importante para fazer essa inclusão são essas culturas criadas pelas próprias crianças. Mas quando as crianças criam, elas criam a partir daquilo que elas observam ao seu redor ou por influência dos professores, ou dos pais ou da mídia. Então é preciso que essas crianças tenham a possibilidade de ter contato com esse arsenal da cultura e um contexto de liberdade para ela poder de fato recriar e para que se tenha um impacto importante desse brincar no processo da inclusão.
Marcelo Abud:
Professoras, agora para as duas, eu queria que a gente trouxesse alguns exemplos de boas práticas de inclusão de pessoas com deficiência que merecem ser destacados?
Carla Mauch:
Eu queria trazer, por mais que seja uma experiência que nós estejamos desenvolvendo, o projeto Brincar, como uma experiência de educação inclusiva. Então o projeto Brincar trabalha na perspectiva, em primeiro lugar, do direito ao brincar para todas as crianças e de que o brincar é fundamental nesse processo de desenvolvimento. O projeto Brincar tem várias ações de formação, de planejamento e acompanhamento dentro das unidades educacionais junto com os professores, com os gestores, com as famílias e, acima de tudo, com as crianças. É a oportunidade de a gente estar com as crianças desde quase que do seu nascimento nessa perspectiva inclusiva. A educação infantil tem muito a ensinar, inclusive para as outras, modalidades de ensino. A gente também agora está lançando o material que se chama “Arquiteturas Infantis: reinventando os espaços”. Esse é um material tanto para educadores quanto para famílias e tem materiais acessíveis para as crianças também. E a gente se colocou nesse exercício de pensar o que seria isso da arquitetura infantil? Como que a gente pensa crianças? Elas têm uma capacidade incrível de planejar, de resolver problemas. Então pensar educação inclusiva é pensar uma educação viva. Uma educação múltipla para todas as crianças.
Marcelo Abud:
Muito legal. Eu queria passar para a professora Tizuko também a palavra para saber que boa prática a gente pode destacar. Por favor, professora Tizuko.
Tizuko Morchida Kishimoto:
Vamos pensar a partir dos professores. A experiência que eu achei muito interessante é da professora Débora com um menino que tinha deficiências múltiplas. Vendo o Cauã saindo da piscina, ela percebeu que o menino mexia as pernas. A única parte do corpo que ele conseguia mexer. Aí, na cabeça dela: “o que que eu posso fazer para aproveitar essa única linguagem, esse único ponto que a criança tem domínio”? E aí vendo a internet, ela localizou um exemplo de um suporte tipo canguru que se amarra no corpo para carregar as crianças. Aí veio a ideia: “então eu vou fazer um canguru, vou pendurar o Cainã aqui”. E levou o Cainã para jogar bola com as crianças numa partida de futebol, onde as crianças jogavam bolas todas alegres para ver se o Cainã conseguia chutar. Olha a alegria das crianças, né. As crianças sem deficiência e a alegria do Cauã que pela primeira vez na vida teve essa oportunidade de jogar bola com os amigos.
Renata Pifer:
Certamente, ainda há muitos outros desafios para a inclusão de pessoas com deficiência na escola comum. Em termos de políticas públicas, o quanto vocês entendem que o Brasil já avançou?
Carla Mauch:
A política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva, ela vem muito junto à convenção internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência. E quando o país começa a implementar a política de educação inclusiva, várias ações são colocadas em curso.
Tizuko Morchida Kishimoto:
Pensando nesse avanço, eu que tenho 50 anos no magistério, eu já vi desde experiências de exclusão, as crianças com deficiência eram escondidas pelos familiares até se chegar ao momento da segregação. E quando se pensou que a escola especial não era suficiente, que era importante colocá-las nas escolas regulares, né, houve a integração dessas crianças, mas elas continuavam excluídas. Elas só ficavam fisicamente presentes nessas escolas. Até no século 21, nós termos uma política pública voltada para a inclusão e exatamente nesse momento que nós estamos, século 21, eu vejo também que as políticas começam a pensar na questão da importância do brincar.
A gente vê também que no plano da política nacional de educação especial, também eles valorizam o brincar, tudo aquilo que tá nas diretrizes vai para a escola, a inclusão também acho importante e daí a importância da gente pensar sempre a inclusão e o brincar juntos. Então eu diria houve avanço sim, mas nós temos muitas dificuldades ainda pela frente. E aí é um convite de fato para toda a sociedade, para que juntos a gente possa resolver essa questão. Se não, nós vamos sempre repetir aquela mesma frase: na teoria, na lei, a gente está lá na frente. Mas na prática nós continuamos aqui atrás. Espero que essa distância entre o que a gente fala e o que a gente faz, cada vez mais diminua.
Renata Pifer:
Que lindo professora Tizuko. Muito bom essa chamada aí para movimentar todo mundo que vai nos ouvir para trabalhar em prol dessa causa, dessa melhoria.
Fundo musical.
Marcelo Abud:
Estamos chegando ao fim de mais um “Vida em Movimento” e nesse instante o microfone está aberto para as considerações finais de vocês. Professora Carla, por favor.
Carla Mauch:
Eu queria dizer que por mais que a gente corre um risco em relação à política de educação inclusiva, a política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva e da importância da gente não retroceder nisso, eu também quero dizer que têm redes municipais públicas e estaduais de todo o Brasil com experiências incríveis. Com professores desenvolvendo práticas pedagógicas maravilhosas, com trabalho em rede, com articulação de professor de atendimento educacional especializado com professor em sala de aula. Se nós formos pegar números também quantitativos a gente aumentou muito o número de alunos desde a educação infantil até o ensino superior. Então nós estamos ainda numa fase em relação às pessoas com deficiência de garantir o acesso e, muitas redes como eu já falei, estão garantindo qualidade. Uma sociedade inclusiva não é da boca para fora. É muito fácil a gente dizer palavras, né. A gente diz uma sociedade diversa é mais importante, mas é muito difícil a gente viver isso no nosso cotidiano. Tem horas que claro que é mais fácil eu dizer, “nossa, eu como professor agora vou ter que botar língua de sinais, vou ter que botar Braille, vou ter que fazer objeto tátil”. Sim, vai. O educador antes de tudo também é um apaixonado pelo conhecimento. Então, nós professores, nós que trabalhamos na educação, somos eternos estudantes. Mas eu quero fazer um chamamento da importância da educação para uma sociedade e da importância que essa educação seja para todos. Coloquemos a vida em movimento e coloquemos a vida em movimento para todos. Não tiremos ninguém da vida, nem do movimento.
Marcelo Abud:
Com esse pensamento eu queria passar a palavra para professora Tizuko para que também faça suas considerações finais, por favor.
Tizuko Morchida Kishimoto:
Obrigada Marcelo. Eu queria dizer que como professora universitária, eu sempre discuti o brincar, a inclusão passava-se imperifericamente na medida que meu foco era pensar na brincadeira. Mas foi a primeira vez que eu coloquei a mão na massa numa investigação, num trabalho de orientar grupos ou de elaborar um projeto, por meio da Fundação Volkswagen, em que o brincar e a inclusão ficassem juntos.
Renata Pifer:
Que aula incrível nós tivemos hoje!
Marcelo Abud:
E Renata, qual reflexão você nos traz a quem nos ouve?
Fundo musical.
Renata Pifer:
A reflexão de hoje vem como dica de leitura.
Fundo musical.
Renata Pifer:
Recentemente, Lana Bitu lançou o livro “Palmas para António”.
António tem Síndrome de Asperger, uma condição do Transtorno do Espectro Autista. O garoto bate palmas o tempo todo, o que faz com que as crianças coloquem apelidos nele.
O que motivou Lana a escrever, foi o dia em que seu filho chegou em casa e disse que havia explicado aos colegas o porquê das palmas.
Ele falou à turma na escola: “Eu bato palmas pra minha imaginação funcionar melhor”. E olha o que aconteceu: António, o menino que bate palmas, foi aplaudido por todos!
Os colegas começaram, enfim, a entender o significado daquela diferença, tão comum quanto as particularidades que todos temos.
São atitudes como essa, que contribuem para a inclusão plena, que a Fundação Grupo Volkswagen acredita e incentiva.
Marcelo Abud:
E você, como tem se movido para fazer do mundo um lugar mais inclusivo?
Envie um e-mail para fundacaogrupovw@volkswagen.com.br ou uma mensagem de voz em nosso Facebook Messenger. Compartilhe conosco os movimentos que você tem feito em sua vida e na comunidade.
Renata Pifer:
A produção e o roteiro do “Vida em Movimento” são da Espiral Interativa e da Peças Raras Produções em Áudio, em parceria com a Fundação.
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Fundo musical.